setembro 08, 2009

Para entender a dialética....

Leandro Konder vai da origem da dialética em Heráclio e além de Marx mostrando suas diferentes concepções através do tempo...
M. Ouriques


Origens da dialética

A definição moderna da dialética onde temos uma realidade contraditória e em transformação e a maneira pelo qual pensamos as contradições da realidade, difere do que existia na Grécia antiga onde a dialética era simplesmente a arte do e no diálogo.
Mas é na Grécia antiga que podemos ver a acepção moderna da dialética na obra de Heráclio de Efeso (aprox. 540-480 a.C). Para este pensador “tudo existe em constante mudança, que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas”, e defendia a não existência de qualquer estabilidade no ser. Os gregos contemporâneos de Heráclio, achavam que a resposta para a transformação dos seres ensinada por Parmônides mais plausível. Para ele “ a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento (a mudança) era um fenômeno de superfície”, é o que chamamos de metafísica.
A concepção da metafísica permaneceu hegemônica ao suprir em vários aspectos, como valores e conceitos, os interesses de uma classe dominante, satisfazendo a vontade de manter o regime social vigente. Mas apesar desta hegemonia da metafísica, a dialética sobreviveu tendo que se conciliar com a metafísica. Aristóteles teve papel importante ao reintroduzir os princípios dialéticos, graças a ele que “ os filósofos não abandonaram completamente o estudo do lado dinâmico e mutável do real.”
Houve um enfraquecimento da dialética durante o período Medieval, a sociedade feudal não apresentava grande mobilidade. Já na Grécia antiga, ao contrario do Medievo, havia a circulação de mercadorias e também de idéias. Ou seja, no regime feudal não existia grandes discussões entre os cidadãos, o que não ocorria nas cidades-estado onde se tinha um interesse do coletivo em discutir, fazendo com que as idéias circulassem, intercambiasem.
Com o desenvolvimento do comercio durante o século XIV, a vida começou a ter uma maior movimentação. E com o renascimento onde o ser humano tornou-se potencialmente mais livre, Galileu e Descartes mostraram que o movimento era uma condição natural do corpo, não o repouso; o Renascimento trouxe, portanto , a dialética novamente á tona.
O fortalecimento da dialética teve o auxilio do filosofo italiano Giambattista Vico que estimulou a compreensão da realidade histórica, pois segundo o filósofo esta realidade é obra do homem.
Konder também cita Montaigne, que assim como os pensadores do século XVII não estavam inseridos em uma dinâmica social, estavam em situação de isolamento. Sua visão era “otimista, superficial, ou então assumia um tom melancólico, um conteúdo conservador negativista.”
O processo histórico que culminou na Revolução Francesa, durante o século XVIII, trouxe mudanças na situação dos filósofos, dando condições para que tivessem uma noção maior do processo das transformações sociais. Esse movimento de idéias chamado Iluminismo não trouxe muitas contribuições para dialética, apesar da proximidade dos filósofos com toda dinâmica social, não houve por eles a preocupação com uma reflexão mais aprofundada. Exceto por Denis Diderot, que acreditava no condicionamento do sujeito dentro da sociedade. Em sua obra Suplemento à viagem de Bogainville, o autor aguça no leitor a desconfiança nas instituições políticas, civis e religiosas, que impunha a ordem.
Ao lado de Diderot, na contribuição à dialética, temos Jean Jacques Rousseau que confiava mais na natureza do que na razão humana. Rousseau acreditava que os homens estavam escravizados ao seu próprio egoísmo e que o poder estava concentrado em poucas mãos, exigindo para tanto uma democratização da vida social, com o apoio de uma vontade geral. Apesar de não concordar em alguns pontos com Diderot, ambos não se submetiam a ideologia da ordem, de conteúdo conservador.

O trabalho

Com as lutas precedentes a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas, entre o fim do século XVIII e o século XX, as massas populares estavam inseridas em discussões sobre as questões políticas antes só discutidas pela elite.
Esses acontecimentos trouxeram reflexo na filosofia, como a do pensador metafísico Imanuel Kant.
Para Kant a consciência do homem é a consciência de alguém que modifica a realidade; para o pensador as filosofias anteriores eram ingênuas ao tentarem decifrar a realidade antes do conhecimento, que era para ele o centro da filosofia.
O filósofo alemão Hegel contrariava Kant ao sustentar que o centro da filosofia era a questão do ser; mas havia um ponto de concordância entre eles: que o sujeito humano é ativo e interfere na realidade.
Como s terrores da Revolução Francesa e após o domínio da ultraconservadora Santa Aliança; Hegel, que vivia em uma Alemanha fragmentada, descobriu que apesar do sujeito humano poder transformar a realidade, quem daria ritmo à esta transformação seria a realidade objetiva.
Hegel estudou os escritos de Adam Smith, bem como os clássicos da economia inglesa. Lukács mostrou em sua obra O jovem Hegel que com sua reflexão sobre a Revolução Francesa e Industrial, percebeu ser o trabalho a maneira de o homem produzir-se a si mesmo. Segundo Hegel, foi com o trabalho que o sujeito homem desgrudando da natureza, pode “contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho não existiria a relação sujeito-objeto.” (Konder, 2000, p.24) O homem pertenceria totalmente à natureza, tendo certa autonomia diante dela, o que não existe entre os animais.
O trabalho era a base para compreensão da superação dialética que Hegel buscou explicar esta concepção a palavra alemã aufheben (verbo que significa suspender), que para filosofia tinha três sentidos diferentes: negar, erguer e levar. Ou seja, negar uma realidade especifica conservar algo existente nesta realidade negada e elevá-la a um nível superior.
Hegel subordinou a realidade material ao que chamava de Idéia Absoluta, um principio nebuloso, assim os movimentos da realidade eram descritos de maneira vaga.
Seguindo Hegel, o pensador alemão Karl Marx ligados ao movimento operário e socialista, lutando ao lado de trabalhadores. Ao contrario de Hegel, Marx estava inserido em um contexto onde pode ter uma maior compreensão sobre o trabalho. E apesar de concordar com Hegel de que o trabalho é a mola propulsora do desenvolvimento do homem, Marx discordava quanto a importância dada ao trabalho intelectual, não dando importância significativa ao trabalho físico.
Por isso Hegel não percebeu as deformações e o lado negativo do trabalho, não analisou os problemas ligados à alienação do trabalho em sociedades extratificadas em classes.


A alienação

Marx acredita que o trabalho é a forma de o homem criar-se a si próprio e levanta a questão de como a ferramenta para a realização do homem pode trazer sofrimento. Para Marx os motivos primordiais seriam a divisão social do trabalho, bem como a apropriação de meios para explorar o trabalho alheio feito pelas mãos de uma minoria. Ora, um sujeito que não se reconhece nas suas próprias criações acaba por alienar-se. Seu poder de argumentação foi reconhecido inclusive por escritores que não concordavam totalmente com suas idéias, como foi o caso do Pe. Henri Chambre.
Para os marxistas o único caminho para superar a divisão de classes e passar por cima do processo de alienação do trabalho é através da luta de classes para promover a revolução socialista.
Com o auxilio de Frederich Engels (1820-1895) Marx reexaminou a história social da humanidade e em sua obra O Manifesto Comunista mostra como toda esta história era então uma história de classes.
Uma nova situação política surge na luta de classes atrelada ao capitalismo que traz consigo, segundo Marx, a busca desenfreada pelo maior lucro; a predominância de monopólios e a força de trabalho transformada em mercadoria.

A totalidade

A dialética de Marx nos mostra que o conhecimento é totalizante e a atividade humana seria o processo de totalização sem término. A totalidade é a visão de conjunto, na compreensão de um todo em seu contexto.
Para o entendimento da totalização é necessário que se compreenda todo um contexto, se tenha uma visão mais ampla daquilo que ser quer analisar. E em um plano filosófico seria necessária uma visão de conjunto da história da humanidade, que seria o maior nível da totalização dialética, mas este não seria exigido no dia-a-dia, porém com maior ou menor abrangência as totalidades estão sempre sendo trabalhadas.
Seria, portanto, a totalidade “apenas um momento de um processo de totalização”. Para que se possa trabalhar dialeticamente com o conceito de totalidade é necessário saber qual o nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas. “Afinal, a dialética (...) negar-se-ia a sai mesma, caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses, recusando-se a revê-las, mesmo em face de situações modificadas.”
Esta modificação do todo só realiza-se depois de certo acúmulo de mudanças nas partes que o compõem. É aqui que surge a lei da dialética da transformação da quantidade em qualidade.
A modificação de um todo é mais difícil do que quando se modifica cada um de seus elementos, tendo para tanto condições de mudanças variáveis.
Em síntese temos “três totalidades, elaboradas em três níveis diversos, exprimindo três processos diferentes de totalização e nos revelando três aspectos distintos (todos três importantíssimos) da mesma realidade brasileira”, aqui utilizado na obra como exemplo no processo de totalização.

A contradição e a mediação

Segundo o autor a teoria sozinha não consegue nos fornecer “critérios suficientes para estarmos seguros de agir com acerto”. Seria necessário para tanto o uso da prática social. A teoria nos traz importantes indicações com relação a totalidade; a teoria dialética recomenda focar-se “às contradições e mediações concretas que a síntese encerra”
Konder ilustra com o exemplo da população dada por Marx, uma análise que nos mostra que o conceito de população fica vago se não conhecermos cada parte que a compõem (as classes).
Esta concepção de Marx, que mostra o conhecimento não como um ato e sim um processo, nasceu contra a concepção irracionalista, que acreditava na intuição como possuidora de verdade, sem utilizar-se do caminho trilhado por Marx. As totalidades irracionalistas são um tanto vazias e sem definições.
A dialética se apresenta muito mais complexa que irracionalismo, usando um caminho de identificação e compreensão de cada parte da totalidade, como observa Carlos Nelson Coutinho: pensar tanto as contradições entre as partes como a união entre elas.
Para um maior conhecimento é necessária a realização de operações de síntese e de análise para que se esclareça, sobretudo a dimensão mediata, que seria a percepção que vamos descobrindo, construindo e/ou reconstruindo aos poucos.
Porém as mediações nos levam a refletir sobre um outro elemento: as contradições, que no pensamento metafísico seria a manifestação de um defeito no raciocínio.
Pela dialética a contradição é o princípio básico do movimento pelo qual os seres existem, a dialética vai além da lógica, trabalhando com determinações reflexivas e promove uma “fluidificação dos conceitos”.

A “fluidificação” dos conceitos

Apesar de não ter podido escrever um livro para explicar sua concepção dialética, Marx deixou elementos sobre seu entendimento e aplicação na obra O Capital.
Marx mostra em seu trabalho as diferenças entre seu método (materialista) e o método de Hegel (idealista). Marx acreditava que o processo da realidade deveria ser encarado como uma totalidade aberta, porém Hegel via este movimento como ponto de partida e também de chegada, uma totalidade fechada.
A fluidificação segundo Hegel limita-se a um caráter abstrato da totalidade da história humana. Ficando claro no uso do conceito de natureza humana idealizada que “faltava uma dimensão histórica mais concreta”, já para Marx a natureza humana “só existe na história, num processo global de transformação, que abarca todos os seus aspectos. E a história, em seu conjunto, não é outra coisa senão uma transformação contínua da natureza humana.”.
Marx admite que alguns determinados aspectos da realidade do homem permanecem na história, sendo o movimento da história marcado por superações dialéticas. Ele “mostrava que a dimensão histórica de certas criações humanas não as impede de perdurar e nem as reduz a uma eficácia momentânea, limitada”.
Portanto a fluidificação dos conceitos trataria de dois lados de uma realidade, como duas faces da mesma moeda, ocorrendo através da determinação reflexiva.

As leis da dialética

Assim como Marx, Engels defendeu o caráter materialista da dialética. “Uma certa dialética na natureza era, para Marx e para Engels, uma condição prévia para que pudesse existir a dialética humana”.
Engels sintetizou as leis gerais da dialética da seguinte maneira: 1. lei da passagem da quantidade à qualidade (e vive-versa); 2. lei da interpenetração dos contrários; 3. lei da negação da negação.
A primeira lei refere-se as mudanças que passam por transformações em ritmos diferentes: períodos lentos e de aceleração.
Já a segunda lei em síntese tem haver com a co-relação dos aspectos da realidade e em diferentes níveis.
Finalmente a terceira lei mostra que a afirmação engendra uma negação, porém uma não supera a outra, prevalecendo a negação da negação.
Estas leis foram resgatadas por Engels do idealismo hegeliano, dando para elas um sentido materialista, que veio a influenciar gerações de operários e militantes socialistas.
Porém estas formulações de Engels, durante o século XX, mostraram-se certas limitações. Como o uso de leis, um código definitivo dentro de uma filosofia de mudança, por exemplo.

O sujeito e a história

Mesmo com a morte de Marx em 1883 a dialética prosseguiu seu caminho. O revisionista Eduard Berstein criticou os escritos marxistas sustentando o fortalecimento do capitalismo e que a dialética impede a apreciação lógica das coisas. Estas opiniões defendidas por Bernsteis foram criticadas pelo Partido Social Democrático Alemão. “A primeira geração de teóricos socialistas que veio depois da geração de Marx e Engels não conseguiu assimilar a dialética”.
Porém houve revolucionários côo Rosa Luxemburg e Lênin que aparecem na revalorização da dialética.
Os grandes marxistas dos anos vinte e trinta apoiaram-se nas idéias e nas realizações práticas de Lênin, levando o desenvolvimento da dialética a diante. Como Lukács que afirmava que a dialética permitia visualizar a aparência das coisas. Já o italiano Antonio Gramsci que reconhecia a função do determinismo da história.
“O materialismo histórico de Marx e Engels é constatativo e não normativo: ele reconhece que, nas condições de insuficiente desenvolvimento das forças produtivas humanas e de divisão da sociedade em classes, a economia tem imposto, em última análise, opções estreitas aos homens que fazem a história.”
Porém com a morte de Lênin em 1924 uma forte influencia antidialética fez com que os esforços de Lukács, Gramsci e Benjamin fossem contrariados. O principal representante desta corrente antidialética foi Josef Stálin que exerceu grande influencia no movimento comunista mundial.
Stálin não levou a teoria a sério, não a usou para questionar a prática, reduziu-a como uma justificativa para as medidas práticas decididas pelo partido comunista, tendo uma antipatia coma herança hegeliana, ignorando as mediações. Assim como Engels, Stálin simplificava didaticamente, e lhe faltava a base cultural e teórica de Engels. De Engels, Stálin retomou as três leis de uma forma diferente, com quatro traços fundamentais: 1. a conexão universal e interdependência dos fenômenos; 2. o movimento, a transformação e o desenvolvimento; 3. a passagem de um estado qualitativo a outro; e 4. a luta dos contrários como fonte interna do desenvolvimento. Stálin acreditava que a expressão “negação da negação” era muito abstrata.
Para Stálin “as categorias da reflexão, do estudo e da investigação científica deveriam estar sempre preparadas para ser postas a serviço da propaganda. As deformações antidialéticas de Stálin influenciaram até duas gerações comunistas em todo mundo.

O individuo e a sociedade

Não foram somente as deformações dialéticas de Stálin a única fonte do pensamento antidialético difundido entre marxistas, que por muitas vezes misturam interesses nacionais ou particulares com a universalidade do autêntico ponto de vista marxista.
“Mesmo os indivíduos mais empenhados na luta pela transformação da sociedade se confundem, com freqüência, quando falta coesão à unidade deles.”
Para atuar revolucionariamente deve o indivíduo atuar de forma organizada, não individual de forma que não o faça sentir alienado.
“Para um marxista contemporâneo (...) qualquer que seja o seu ponto de vista pessoal, ele é levado a ter a impressão de que os acontecimentos estão se precipitando fora do seu poder de intervir neles como indivíduo.”
O processo para a superação do capitalismo através do socialismo assumiu formas complexas. E qualquer que seja o caminho trilhado é necessário que o indivíduo eleve seu nível de consciência crítica para que possam participar de forma mais ativa do movimento de transformação da sociedade. Para Marx o indivíduo só conseguiu se individualizar após muitos séculos de sua história em sociedade.
Mas o indivíduo ao longo de sua história conquista sua autonomia, superando seus limites como indivíduo para completarem-se em alguma forma de existência comunitária. Porém a racionalização do capitalismo, bem como o espírito competitivo de mercado agrava as relações na comunidade, como a família.
“A falta da dialética e o anseio pela comunidade, cominados, podem igualmente influir – e com freqüência influem mesmo – no comportamento dos revolucionários.”

Semente de dragões

Uma das principais características da dialética é a de criticar e a autocrítica.
Muitos críticos da dialética aproveitam-se das suas deficiências, sustentando seu desprezo ao rigor da análise. Os defensores da dialética precisam para tanto, aplicar os princípios a uma realidade em eterna modificação.
“ O método dialético nos incita a revermos o passado á luz do que está acontecendo no presente; ele questiona o presente em nome do futuro, o que está sendo em nome do que ainda não é”.
O método dialético é, portanto, como disse Carlos Astrado “semente de dragões”, que assustam pessoas, causam tumulto, mas não de maneira inconseqüente, mas que é necessário para que não seja esquecido a essência do pensamento dialético enunciado por Marx.



KONDER, Leandro. O que é dialética? São Paulo: Brasiliense, 2000.

Nenhum comentário:

Postar um comentário