outubro 14, 2009

A ética protestante e o espírito do capitalismo


Max Weber utilizou-se do comportamento burguês, ou melhor do ideal comportamento burguês, para falar sobre o capitalismo e para tanto baseou-se em nomes como Benjamin Franklin para trilhar este caminho...


M. Ouriques


O Espírito do Capitalismo


A tentativa de conceituar o espírito do capitalismo deve desenvolver-se no andamento da discussão proposta por Weber, iniciando por uma breve descrição necessária para o entendimento do objeto investigado.
A ética peculiar do comportamento burguês, esta filosofia da avareza do capitalismo da Europa Ocidental e do norte-americano, fica exemplificada nas máximas comportamentais pregadas por Benjamim Franklin: “tempo é dinheiro”, “crédito é dinheiro” ou ainda” o dinheiro pode gerar dinheiro e seu produto pode gerar mais, e assim por diante”. São atitudes morais úteis para o indivíduo: a honestidade e a pontualidade são úteis para assegurar crédito, por exemplo.
Ganhar dinheiro é, portanto, o resultado e a expressão de virtude e de eficiência em uma vocação, sendo estes o cerne da ética de Benjamim Franklin e a base fundamental da cultura capitalista.
O capitalismo seleciona empreendimentos e trabalhadores de que necessitar, este modo de vida não se originou em indivíduos específicos, mas em grupos inteiros deles.
O espírito do capitalismo, o interesse pela obtenção de dinheiro aparece como característica em países cujo desenvolvimento capitalista-burguês, medido segundo padrões ocidentais, permaneceu “atrasado”. A auri sacra fames é tão antiga quanto o próprio homem, ocorrendo em todos os períodos da história, tendo como oponente o espírito do tradicionalismo.
A oportunidade de trabalhar para receber o que é necessário para viver é uma característica desse tradicionalismo. Uma possibilidade de lutar contra era a de forçar o trabalhador a trabalhar por mais tempo em troca da mesma quantia que recebia anteriormente.
Apesar de que um exército de reserva possa auxiliar na expansão quantitativa, acaba colocando em xeque seu desenvolvimento quantitativo. O baixo salário falha quando se necessita de mão-de-obra especializada, por exemplo. O trabalho deve ser feito como uma “vocação”, devendo ser um produto de um processo de educação, isso facilitaria o recrutamento de força de trabalho.
Segundo Sombart a “satisfação de necessidades” e a “aquisição” são princípios orientadores entre os quais se desenvolveu a história econômica. Primeiramente a necessidade se mostra idêntica ao tradicionalismo econômico, desde que a dita “necessidade” esteja no mesmo nível da “necessidade tradicional”.
Ainda nos primórdios dos tempos modernos, os empreendedores capitalistas formavam o extrato ascendente da classe média industrial inferior. Weber mostra que a administração de um banco, por exemplo, só é possível em um formato de empresa capitalista, podendo, pois, ser dirigida por um espírito tradicionalista. Este espírito que animava o empreendedor era de um modo de vida tradicional, com taxas de lucros tradicionais, quantidade tradicional de trabalho e assim por diante.
A mudança vem, segundo Weber, quando um empreendedor escolhe seus empregados, supervisiona seu trabalho e acaba transformando camponeses em operários: seu método de trabalho se modifica, numa luta pelo lucro.
É, portanto, o mais pertinente nesta relação, não o dinheiro novo injetado na indústria, mas o nascimento desse “espírito do capitalismo moderno”, onde ele surge é capaz de desenvolver-se.
Seu surgimento veio em meio à desconfiança e indignação moral. Porém foi com a virtude de qualidades morais que pode sustentar a confiança de fregueses e trabalhadores. E estas qualidades morais não teriam relação com qualquer máxima ética, tampouco com idéias religiosas. O tipo ideal de um empreendedor capitalista evita a ostentação, o desejo pelo poder.
Atualmente o espírito do capitalismo pode ser visto como um produto de adaptação - quem não se adapta é sobrepujado ou não pode ascender - e necessitar de uma “vocação” para ganhar dinheiro. A forma de se comportar burguesa tem como objetivo o lucro e para isso vai racionalizar a forma de vida.
A tarefa agora é entender a origem deste pensamento racional, de onde surge a idéia de “vocação” e a divisão de trabalho dentro dela, sendo, portanto, um dos elementos mais característicos da cultura capitalista.

A ascese e o espírito do capitalismo


A pregação, a influência do sacerdote no curso das almas, toda esta prática sacerdotal teve influência decisiva na formação do “caráter nacional”. É no puritanismo inglês que se nota a idéia de vocação que aparece especialmente através do intérprete teórico Richard Baxter: seu trabalho desenvolveu-se no sentido da vida moral eclesiástica.
Weber usa Theologische Bedenken de Spiner (pietismo alemão) e a Apology de Barclay (quacres) como termo de comparação.
No trabalho de Baxter, dentre outros autores, destaca-se a “discussão sobre a riqueza bem como sua aquisição, nos elementos ebioníticos na proclamação do Novo Testamento”. (WEBER, 1980, p. 206).
A riqueza traz perigos e tentações consigo. A ascese parece voltar-se contra a busca de riqueza em bens temporais. E ela é condenável- a riqueza- por trazer em si o perigo de relaxamento, sua objeção moral refere-se ao descanso: é a perda de tempo o grande pecado e a atividade é o que serve para aumentar a glória de Deus.
A marca do trabalho de Baxter é a defesa do trabalho físico ou mental mais duro e constante; seria o trabalho a própria finalidade da vida. Nem ricos, nem pobres estão livres para não trabalhar. Deve-se, portanto, prevalecer o mandamento de Deus.
Para Lutero a divisão do trabalho, ou seja, a divisão entre os homens através de suas vocações – que já fora tratada em São Tomás de Aquino- um resultado da vontade divina e por conseqüência manter-se nesta posição torna-se um dever religioso. E “de acordo com a tendência do puritanismo, o caráter providencial da divisão do trabalho dá-se a conhecer pelos seus resultados.” (WEBER, 1980, p. 212). Quanto a isto Baxter assemelha suas considerações as de Adam Smith quando acredita que a especialização das ocupações do trabalhador leva a progressos tanto quantitativos quanto qualitativos na produção. Porém aparece em Baxter a idéia de que ter um ofício correto é o melhor para todos, e este é um elemento caracteristicamente puritano. Neste contexto seria o trabalho irregular algo indesejável e transitório.
“Na concepção puritana da vocação, a ênfase sempre é posta neste caráter metódico da ascese vocacional, e não, como em Lutero, na aceitação do destino irremediavelmente por Deus.” (WEBER, 1980, p.213)
A vocação (sua utilidade) é orientada primeiramente por critérios morais, segundo pela relevância dos bens produzidos e depois pela sua lucratividade. A riqueza só seria condenável quando constituir-se em tentação para vadiagem, e aceitável quando de um empreendimento de um dever vocacional.
Os maiores intérpretes do puritanismo estavam imbuídos da cultura renascentista, isto fica claro nas citações dos clássicos, mesmo esta cultura trazendo suas polêmicas teológicas.
Posteriormente analisando as artes plásticas fica clara a repulsa a qualquer tipo de superstição; já o teatro era reprovável para os puritanos especialmente ao erótico.

A admissibilidade do prazer nos bens culturais, produzido por uma atividade puramente estética ou esportiva, sempre encontrava uma limitação: eles não poderiam custar nada. O homem é apenas um guardião dos bens que lhe foram confiados pela graça de Deus (WEBER, 1980, p. 223)

Conservar para a glória de Deus suas posses e quanto mais as tiver maior será o sentimento de responsabilidade sobre elas: este modo de vida encontrou seus fundamentos na ética do protestantismo ascético, embora já tivesse alguns traços na Idade Média. Este ascetismo se oporá ao uso espontâneo do luxo e a utilização irracional da riqueza, a ganância e a desonestidade; a preservação da redenção da fé e do homem virá através do labor vocacional secular.
“Combinando essa restrição do consumo com essa liberação da procura de riqueza, é óbvio o resultado que daí decorre: a acumulação capitalista através da compulsão ascética à poupança.” (WEBER, 1980, p. 225)
Com a extensão da concepção de vida puritana ocorrerá o desenvolvimento de uma vida racional e burguesa, porém as tentações da riqueza fizeram com que ideais puritanos fossem renegados. Enquanto o empreendedor burguês estivesse dentro dos limites da correção poderia agir dentro de seus interesses. Porém, Calvino acreditava que só mantendo a massa de operários e artesãos pobres é que o povo se manteria obediente à Deus.
A ascese protestante produziu como norma a concepção do trabalho como vocação, como meio de atingir a certeza da graça.


WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (Capítulos II e V). In: Textos selecionados/Max Weber; Seleção de Maurício Tragtenberg; Traduções de Maurício Tragtenberg [et alii] 2ª. Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1980, páginas 181-235.

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